Por trás de uma poliúria...

Introdução

Caro colega,
 
Apresentamos um novo caso clínico interativo.
Poderá participar através do separador Formação Contínua no portal SPP, com autenticação como sócio SPP.
Será publicado um caso clínico mensalmente. A sua participação não será visível para outros utilizadores.

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Autores

Sara Mosca 1,2*, Joana Soares 1*, José Fontoura Matias 1,3, Sofia Pimenta 1, Edite Tomás 1

Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, Penafiel

Serviço de Pediatria, Centro Materno-Infantil do Norte, Centro Hospitalar Universitário do Porto, Porto

Serviço de Pediatria, Centro Materno Pediátrico, Centro Hospitalar Universitário de São João

*As autoras contribuíram de igual modo para o presente trabalho
 

 

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Apresentação do Caso Clínico

Criança de 9 anos, sexo masculino, raça caucasiana.

Observado no serviço de urgência (SU) por poliúria, polaquiúria, polidipsia (ingestão de cerca de 5l de água por dia) e noctúria com cerca de 1 mês de evolução. Sem disúria ou perdas urinárias diurnas, sem febre, ou outra sintomatologia associada. Sem trauma prévio ou perda ponderal recente. Controlo vesical diurno e noturno desde os 18 meses e 24 meses, respectivamente.


Dez dias antes da ida ao SU, por dor supra-púbica com agravamento com a micção, foi medicado com amoxicilina + ácido clavulânico por infeção trato urinário (ITU) afebril (no entanto, UC negativa).

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Antecedentes

Pessoais: irrelevantes
Familiares: mãe com epilepsia. Sem outros antecedentes heredofamiliares de relevo
Medicação Habitual: nega
Alergias: desconhecidas
PNV: atualizado sem vacinas extra programa

 

 

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Exame objectivo à entrada
  • Aspecto geral – Bom estado geral
  • Sinais vitais – TA 110/65mmHg (p50-95/p50-95), FC 60 bpm
  • Somatometria – Peso 33,2Kgs (p50-85), Estatura 144cm (p97), IMC 15,4Kg/m2 (p15-50) de acordo com as curvas da Organização Mundial de Saúde
  • Orofaringe – ruborizada, sem hipertrofia amigdalina, sem exsudados ou petéquias. Cáries tratadas.
  • Otoscopia – membrana timpânica visível, sem abaulamentos e triângulo luminoso patente bilateralmente.
  • Pulmonar – sons respiratórios presentes e simétricos, sem ruídos adventícios audíveis.
  • Cardíaco – S1 e S2 rítmicos, sem sopros ou outros sons audíveis
  • Abdómen – depressível, timpânico, sem desconforto à palpação, sem massas ou organomegalias palpáveis.
  • Pele e mucosas – Pele e mucosas coradas e hidratadas, sem exantemas ou petéquias. Boa perfusão periférica. Sem adenopatias palpáveis.
  • Exame neurológico – sinais meníngeos negativos, sem rigidez da nuca, restante exame sem particularidades.

 

 

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1 - Qual a hipótese de diagnóstico mais provável desta poliúria ?

  • Infeção trato urinário

    Esta opção NÃO está correta 0,93% das respostas estavam corretas

    A ITU, consoante a faixa etária, pode-se manifestar com um vasto leque de sintomas, desde irritabilidade, vómitos, febre, disúria, dor supra-púbica, polaquiúria, hematúria e/ou urgência miccional.

    Habitualmente não cursa com poliúria e polidipsia, nem estão presentes outros sintomas mencionados neste caso (como a noctúria), o que torna esta hipótese menos provável.

  • Diabetes Mellitus

    Esta opção NÃO está correta 0,93% das respostas estavam corretas

     

    A Diabetes Mellitus, apresenta-se na grande maioria dos casos, com polidipsia, poliúria e perda ponderal apesar da polifagia.

    Além da clínica, o diagnóstico é favorecido pela presença de glicemia elevada e glucosúria, sendo esta responsável pela diurese osmótica (poliúria) e polidipsia compensatória. Apesar de uma hipótese possível, a ausência de perda ponderal e polifagia tornam esta hipótese menos provável.

     

     

  • Pós obstrução do trato urinário bilateral

    Esta opção NÃO está correta 0,93% das respostas estavam corretas

    A pós obstrução do trato urinário bilateral é uma causa possível de poliúria, por se tratar de uma diurese osmótica, No entanto, é habitualmente precedida por queixas marcadas, nomeadamente de dor abdominal/lombar, náuseas/vómitos, hematúria, o que pela sua ausência tornam esta hipótese menos provável.

  • Polidipsia primária

    Esta opção NÃO está correta 0,93% das respostas estavam corretas

    A polidipsia primária resulta da ingestão excessiva de líquidos, com maior predomínio diurno e menos evidente noturno, o que não é suportado por este caso. Esta patologia também se associa mais a transtornos psiquiátricos ou transtornos primários do mecanismo da sede (fármacos, trauma craniano, esclerose múltipla, esclerose tuberosa ou sarcoidose).

  • Diabetes Insipidus

    Esta opção está correta 0,93% das respostas estavam corretas

    A Diabetes Insipidus (DI) apresenta-se com polidipsia (>5L/dia) e poliúria (diurna e noturna), que pode resultar de uma causa central (défice de produção ou secreção de hormona antidiurética (ADH) ou nefrogénica (resistência parcial ou total dos túbulos renais à ADH).

     

Acertou 5 respostas e errou 0 respostas
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2 - Numa fase inicial, quais os exames complementares de diagnóstico a pedir?

  • Hemograma + ureia/creatinina + glicose + ácido úrico + sódio/potássio/cálcio + Proteína C-reativa

    Esta opção está correta 0,97% das respostas estavam corretas

    A presença de leucocitose no hemograma e a elevação da proteína C-reactiva (PCR) sugeriam um mecanismo infeccioso/inflamatório; hiperglicemia seria a favor de Diabetes Mellitus; o doseamento do ácido úrico permitiria excluir uma patologia metabólica, que pudesse causar diurese osmótica; e ainda excluir a existência de hipercaliémia e/ou hipercalcémia que poderiam justificar uma diurese osmótica. Um valor de sódio no limite inferior do normal seria sugestivo de polidipsia primária enquanto que no limite superior do normal seria a favor de DI.

  • Exame sumário e sedimento de urina ocasional

    Esta opção está correta 0,97% das respostas estavam corretas

    A presença de leucocitúria ou nitratúria favorecem o diagnóstico de ITU, bem como a presença de glucosúria reforçava a hipótese de Diabetes Mellitus. Por outro lado, uma baixa densidade urinária torna como possíveis os diagnósticos de polidipsia primária ou DI. 

  • Osmolaridade plasmática e urinária

    Esta opção está correta 0,97% das respostas estavam corretas

    A presença de uma osmolaridade plasmática normal/alta (275-290 mOsm/Kg) associada a uma osmolaridade urinária <300 mOsm/Kg torna o diagnóstico de DI muito provável.

  • Ressonância magnética nuclear cerebral

    Esta opção NÃO está correta 0,97% das respostas estavam corretas

    A ressonância magnética nuclear (RMN) cerebral é importante na avaliação da DI, mas não numa fase inicial e sim numa fase posterior em ambulatório, uma vez que em 70% dos doentes com DI não se observa o hipersinal da hipófise em T1. Adicionalmente, é útil para exclusão de lesão ocupante de espaço, trauma ou outra etiologia que possa justificar uma DI central.

  • Urina 24-horas

    Esta opção está correta 0,97% das respostas estavam corretas

    O doseamento da urina de 24-horas é importante para a contabilização da eliminação urinária, a fim de confirmar a existência de poliúria (débito urinário >4mL/Kg/h).

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Exames Laboratoriais

 

 

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Evolução / Abordagem

Perante os resultados obtidos (ausência de leucocitose e PCR negativa, normoglicemia, osmolaridade sérica elevada e urinária baixa), a hipótese de DI é a mais provável tendo-se então, realizado a prova de restrição hídrica.

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Evolução analítica

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Evolução / abordagem

A prova hídrica durou 3 horas, tendo sido interrompida devido a uma lipotímia e sede incontrolável. O diagnóstico de DI torna-se ainda mais provável, com a persistência do valor muito baixo de osmolaridade urinária, bem como pelo índice de osmolaridade plasmática/urinária ser inferior a 1,5 (neste caso é de 0,2). A fim de distinguir entre uma DI central ou nefrogénica, prosseguiu-se a investigação com a administração de desmopressina (DDAVP).

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Evolução Analítica

 

A seta assinala o momento de administração de desmopressina e posteriores alterações nas osmolaridades urinária e plasmática.

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Evolução / Abordagem

Após a administração de desmopressina, a osmolaridade urinária aumenta 12,5% (>9%) o que torna a DI central como o diagnóstico definitivo. De seguida, avaliou-se a integridade do eixo hipotálamo-hipófise de forma a complementar o estudo etiológico.

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Evolução Analítica

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3- Nesta situação, qual o tratamento de primeira linha?

  • Diurético tiazídico

    Esta opção NÃO está correta 1,06% das respostas estavam corretas

    Os diuréticos tiazídicos têm uma ação independente da ADH e em associação com dieta pobre em sal e em solutos induzem hipovolémia, com consequente diminuição de água para os túbulos colectores, diminuindo assim a diurese em cerca de 40%. O diurético tiazídico habitualmente utilizado é a hidroclorotiazida, sendo uma opção terapêutica mas não ser de primeira linha.

  • Indometacina

    Esta opção NÃO está correta 1,08% das respostas estavam corretas

    A indometacina é um anti-inflamatório não esteróide,  com ação anti-prostaglandina (inibidor não seletivo da ciclo-oxigenase, conduzindo à redução da filtração glomerular e aumento da reabsorção de sódio. Apesar de ser um dos fármacos passíveis de utilizar na DIC, o seu papel principal é como 1ª linha de tratamento na DIN. 

  • Desmopressina

    Esta opção está correta 1,08% das respostas estavam corretas

    A desmopressina é um análogo da ADH com duração de ação mais prolongada e com efeito vasopressor mínimo. É o fármaco de eleição da DIC. Uma vez que a dose e os intervalos de administração são muito variáveis, o tratamento deve ser iniciado com uma dose baixa de desmopressina ao deitar e ir aumentando a dose até resolver noctúria. É importante salvaguardar o risco de hiponatrémia secundária a sobredosagem ou ingestão hídrica elevada após administração de desmopressina.

  • Restrição hídrica

    Esta opção NÃO está correta 1,06% das respostas estavam corretas

    A restrição hídrica é desaconselhada uma vez que as perdas urinárias de líquidos não são compensadas resultando em desidratação hipernatrémica e hipovolémica.

  • Carbamazepina

    Esta opção NÃO está correta 1,08% das respostas estavam corretas

    A carbamazepina assim como a clorpropamida e os clorofibratos aumentam a libertação e a sensibilidade a ADH podendo ser utilizados em doentes com DIC parcial. Não são recomendados em idade pediátrica devido aos seus efeitos secundários e a falta de ensaios clínicos nesta faixa etária.

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4 - Qual a complicação mais frequente após instituição de tratamento adequado?

  • Diminuição da densidade mineral óssea

    Esta opção está correta 1,08% das respostas estavam corretas

    Apesar da correta administração de desmopressina, observa-se uma diminuição da densidade mineral óssea a nível lombar e femoral, dado que a desmopressina atua a nível dos receptores V2 e não nos receptores V1 que estão envolvidos na desenvolvimento ósseo.

  • Atraso no desenvolvimento psicomotor

    Esta opção NÃO está correta 1,08% das respostas estavam corretas

    O atraso no desenvolvimento psicomotor pode ser observado nas crianças com DIC familiar associada, nomeadamente na Síndrome de Wolfram, contudo não é observada nas restantes DIC.

  • Má evolução estaturo ponderal

    Esta opção NÃO está correta 1,08% das respostas estavam corretas

    Numa fase inicial, e antes do diagnóstico e tratamento com desmopressina pode ser observada uma má evolução ponderal. No entanto, após a instituição do tratamento adequado, a incidência de má evolução ponderal é igual à restante população.

  • Convulsões

    Esta opção NÃO está correta 1,08% das respostas estavam corretas

    A administração da desmopressina em dose adequada não se associa ao desenvolvimento de convulsões. Contudo, a elevada ingestão de líquidos associada a sobredosagem de desmopressina pode induzir uma hiponatrémia com consequente desenvolvimento de convulsões. Desde modo, os doentes e os seus familiares devem ser alertados para os principais sinais e sintomas sugestivos de hiponatrémia (náuseas, vómitos, alteração do estado de consciência e convulsões).

  • ITU’s de repetição

    Esta opção NÃO está correta 1,08% das respostas estavam corretas

    A DIC não se associa a um risco aumentado de ITU pelo que a incidência de ITU neste grupo de doentes é sobreponível a da população em geral.

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Evolução / Abordagem

Confirmado o diagnóstico de DI central, tem alta medicado com desmopressina 0,12mg/dia oral e orientado para Consulta de Pediatria, onde viria a realizar a RMN cerebral.

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Evolução imagiológica


Não são descritas lesões patológicas, não se define o habitual hipersinal espontâneo em T1 da neurohipófise, sendo isto sugestivo de DI.

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Pontos Importantes
  • A DI caracteriza-se pela incapacidade de concentração urinária com consequente aumento de volume de urina
  • Resulta da deficiência da produção/secreção da hormona antidiurética (DI central) ou da resistência à sua ação nos túbulos renais (DI nefrogénica);
  • Clinicamente, manifesta-se com poliúria, polidipsia compensatória e perda ponderal. Menos frequentemente e sobretudo nos lactentes, podemos observar uma desidratação hipernatrémica e hipovolémia resultante de uma poliúria não compensada por aumento da ingestão hídrica;
  • A grande maioria de DI são de causa idiopática, contudo pode associar-se a traumatismos cranianos, cirurgias, tumores da região hipotalâmica ou a encefalopatia hipóxico-isquémica;
  • Os seus diagnósticos diferenciais incluem: a polidipsia primária e poliúria osmótica (ex: Diabetes Mellitus)
  •  O fármaco de eleição da DI central é a desmopressina, um análogo da ADH, com duração de ação mais prolongada e com efeito vasopressor mínimo;
  • O prognóstico destes doentes é bom, no entanto e apesar do tratamento adequado, poderá ser observada uma diminuição da densidade mineral óssea a nível lombar e femoral.

 

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FIM

  

 

Obrigada pela sua participação

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